O discurso capitalista e a época da técnica
Para o curso sobre contradição, negação e oposição.
O discurso capitalista e a época da técnica
O discurso capitalista e a época da técnica entre Lacan e
Heidegger são totalmente diferentes, mas falam em torno de algo Real que incide
nos corpos e na linguagem buscando anular a possibilidade daquilo que se nomeia
como sujeito ou da-sein, daquilo que aparece como não sendo meramente objeto.
O discurso capitalista quer mostrar a posição de um sujeito
vinculado a um saber fazer que não faz laço e estaria em relação direta com
objetos de consumo. Isso impede a possibilidade de um sujeito da falta que lide
com o outro enquanto sujeito e com o objeto enquanto “(a)”, isto é, excesso e/ou
defeito. O sujeito (da falta) do desejo se dissolve no gozo repetitivo que produz
e se reproduz em objetos de consumo.
A técnica na sua realização põe o homem como disponível em
seu funcionamento. A possibilidade de ser-ai, de da-sein, de morar entre o
ontico e o ontológico, de estar aberto para aquilo que ainda não é, para aquilo
que não é esperado dentro do planejamento e o cálculo, é bloqueada pela
produção e reprodução da técnica: tudo é resultado de uma técnica, o fenômeno
natural e a produção cultural.
Não é uma questão de escolha, mas de aparecimento. Optar por
não participar é já uma forma de funcionar dentro do mecanismo como aquele que
oferece outra opção de consumo ou de método de aparecimento e é imediatamente
integrado no sistema. Se transforma em mais uma opção ou em um produto da
técnica.
O discurso capitalista e a época da técnica falam dos modos
em que nos encontramos na atualidade obturados diante da diferença e ao mesmo
tempo, na medida em que são enunciados de alguma maneira, mostram que a fenda,
o gap, a falha, a falta, o aberto ainda insiste e produz efeitos de linguagem
onde algo como um sujeito ou um da-sein fala e evoca algo que não é apenas
objeto de consumo e técnica. Porém, também podemos pensar que o discurso
capitalista e a técnica contem em seu interior o discurso que os revela e são,
portanto, inofensivos porque incluídos no mecanismo de funcionamento.
Junger se interroga acerca de se depois da segunda guerra
mundial o Leviatão deixa algo sem observar. Ele considerava que o mundo estava
totalmente tomado pelo poder do Leviatão. Mas ainda assim propõe três
acontecimentos que poderiam estar fora do alcance do poder global que tudo o
regula. Esses três acontecimentos são: o amor, a amizade e o vinho. Talvez, em
alguma medida, algumas experiências de corpos e linguagens nomeadas com essas
três palavras, por alguns instantes se mostrem na sua singularidade, antes de
ser capturadas pelos mecanismos do gozo e da técnica. Talvez possamos encontrar
outros eventos que em certa medida e tempo apareçam fora do gozo mortífero e da
técnica automática que dissolvem a diferença. Proponho que um deles seja o ato
de dizer a verdade. Falar a verdade pode ser um verdadeiro ato. A enunciação da
verdade pode ser por algum momento uma irrupção que abre a possibilidade de que
a diferença possa vir a aparecer e algo seja transformado. Se partirmos da
falta ou do nada como aquilo que permite que algo apareça é necessariamente
lógico que não possa sempre se dizer toda a verdade. Se há falha ou abertura sempre
há algo que resta daquilo que é dito, algo não dito próprio da possibilidade do
dizer. Falar a verdade, não toda, é a diferença em relação com o capital e a reprodução
técnica na medida em que é inútil e irruptiva para um discurso calculado e
produtivo.
E que seria falar a verdade? Em nossos termos, a partir dos
elementos que fomos tentando articular em torno da diferença nos arriscamos a
uma formulação.
Dizer a verdade é o ato enunciativo onde o sujeito aparece exposto
á própria falta, isto é, ao próprio desejo (não ao desejo supostamente dele,
não há propriedade privada do desejo ou da falta, senão exposto á falta ela
mesma em relação com a qual o sujeito aparece enquanto sujeito da falta que “emerge”
(?, a falta de uma palavra melhor) da fala enquanto verdadeira).
Assim, dizer a verdade é um verdadeiro ato político de consequências
não mensuráveis e sem causa apropriada e razoável, é um evento gratuito (mas não mágico), uma
doação que abre novas possibilidades de troca. Trata-se de um evento que poderia não ser. Dizemos político na medida em
que entendemos esta noção como sendo aquilo que nomeia o campo fundamental de oposições
entre agentes excludentes.
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