Por que as pessoas falam?

Por que as pessoas falam, mas algumas não? Não me refiro à mudez, ou a qualquer problema anato-fisiológico,mas ao ato de não falar e não como consequência de uma decisão volitiva, mas a algo não é nem estritamente orgânico nem estritamente da ordem da vontade.
Por que algumas pessoas podem sustentar o olhar e a postura e outras não? Não me refiro à vergonha nem à submissão diante do outro, mas a um modo de evitar o contato e a posição de sujeito diante do outro.
Por que algumas pessoas encontram no Outro uma garantia de estabilidade e regularidade onde habitar, mesmo no conflito, e outras pessoas encontram no Outro Real uma ameça Real que só pode ter como resposta a agressividade, a reclusão ou a somatização?
Por que algumas pessoas lidam com um corpo como próprio a duras penas mas com alguma possibilidade de reconhecimento e outros não encontram seu limite, exercem a automutilação ou o próprio abandono?
Será que temos que pensar isso apenas como situações a serem modificadas e trabalhadas para poder incluir esses sujeitos na ordem social estabelecida ou precisamos modificar a própria ordem social? Não estou pensando na ilusão de uma sociedade sem excluídos onde todos vivam harmonicamente, onde o leão se deite no mesmo gramado com a gazela num domingo de piquenique. Estou pensando em um modo de viver em comum união menos estreita enquanto aos seus padrões disciplinares em função da manutenção da produção e do consumo, uma comunidade capaz de ser menos mercantilista onde não predomine a troca como a forma privilegiada de relacionamento.
Será que é possível acompanhar o sofrimento do outro e ao mesmo tempo dar lugar à diferença que não cabe no espelho narcisista do nosso próprio ideal do eu?
Certamente, nos tempos de ódio, ressentimento e rompimento de laços sociais como os que vivemos essas perguntas são verdadeiramente idiotas. A clara resposta a curto prazo é decididamente NÃO. Mas não será justamente por isso que devemos pensar agora na possibilidade de transformação radical? Não estou querendo negar o urgente da ação política em favor do importante daquilo que pode ser feito.
Estou querendo chamar a atenção para o fato de não perder de vista aqueles problemas radicais que são importantes, mas que ficam adiados na necessidade de atender o urgente.
Talvez esse seja o momento para pensar radicalmente o importante sem descuidar aquilo que é urgente.
Disse o poeta:
la medicina escasa la mas insuficiente
es, la de remediar la mente,
y la locura, pasa risueña cuando engaña
o al odio, de la propia entraña
Silvio Rodriguez, poeta cubano

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